Laura Tirapelli, Fernando Zamith, Carol Negreiros e Fabio Malavoglia, os integrantes do jogral
Na tarde de 15 de outubro, Dia dos Professores, nossa turma se reuniu para festejar
seu Jubileu de Ouro. Em formato jogral, os colegas Carol Negreiros, Fernando Zamith,
Laura Carneiro e Fabio Malavoglia leram o texto abaixo, que buscou sintetizar os sentimentos de todos nós:
Boa tarde, colegas, bem-vindos ao encontro que marca os 50 anos de nosso ingresso na Escola de Comunicações e Artes da USP.
É com enorme satisfação que recebemos tantos colegas queridos, para uma troca afetiva que celebra amizade, fraternidade e companheirismo.
Antes de mais nada, gostaríamos de celebrar aqui o DIA DO PROFESSOR. Temos alguns mestres conosco hoje, e a eles, em nome de todos os professores do Brasil, rendemos nossas homenagens.
Nossa turma é talvez a única na área de Humanas a festejar essa marca longeva no país, o que não é pouca coisa.
Orgulhosamente, sopramos a velinha do Jubileu de Ouro hoje, aqui e agora.
A Comissão Organizadora gostaria de aproveitar este Encontro após 50 anos para relembrar um pouco da história de nossa querida ECA.
E, também, rememorar como chegamos até aqui, além de prestar homenagem aos colegas que se foram e aos nossos sempre bem lembrados mestres.
Um recorte do antigo jornal Diário Popular, de janeiro de 1972, guardado com carinho pelo seu Nelson, pai do nosso colega Clovis, encontrado em 2008, foi o estopim para desencadear essa epidemia de nostalgia.
Nele, os nomes dos 200 aprovados no vestibular do antigo Cescea.
O primeiro encontro aconteceu em junho de 2009, depois que Clovis acreditou que era possível, e contagiou alguns chegados para se juntarem na mesma vibração.
Naquele dia, estavam presentes exatamente 100 dos 200 jovens que, 37 anos antes, haviam sido aprovados para a ECA.
Outros encontros se seguiram, igualmente com massiva participação. Ficou claro que a chama da nossa rebeldia, da nossa vivência comum, estava de volta, com uma força que sempre vai fazer parte desse nosso espírito.
E chegamos enfim aos 50 anos de quando nos conectamos pela primeira vez. A ECA, pouca gente sabe, disponibiliza um interessante site comemorativo de seus primeiros 50 anos (1967-2017), que traz à luz informações interessantes e curiosas.
O 50 anos.eca.usp.br digitaliza a relação dos alunos de graduação e pós, com ano de formação e curso, além de depoimentos de professores e fotos que compuseram sua trajetória.
Nós, aqui, tomamos a liberdade de realizar uma edição em short cut daquele período, num túnel do tempo bastante reflexivo. Um resumo dos fatos, ano a ano, em manchetes da época.
1972, fevereiro: “Indicada nova Diretoria da ECA”
Manuel Nunes Dias, antes chefe do Departamento de História, é escolhido pelo reitor Miguel Reale para ocupar o cargo de Diretor da ECA. Ele era tido pelos professores e alunos como virtual agente dos órgãos de repressão no comando da escola.
1972, fevereiro: “Professor é processado depois de aula sobre técnica do lead”
O professor e diretor do Jornalismo, José Marques de Melo, foi processado por atividades subversivas, com base em decreto criado para enquadrar alunos e professores perniciosos ao Regime Militar.
O processo fundamentou-se numa apostila produzida pelos alunos a partir de palestra que ele ministrara em 1968, sobre a técnica do lead. A acusação era a de insuflar os alunos contra o regime.
Apesar de não ter sido demitido naquele momento, o professor Marques foi afastado da Direção do Departamento de Jornalismo, e impedido de exercer suas funções.
1974, outubro: “Demissão sumária atinge professores da ECA”
Os contratos dos professores José Marques de Melo e Paulo Emílio Salles Gomes, este do Departamento de Cinema, não foram renovados.
Essa demissão sumária, sem direito a defesa e a indenização, era um recurso utilizado para excluir professores que representassem ameaça ao regime militar.
1974, novembro: “Professor sofre cassação branca e a Escola se agita”
O professor e coordenador do curso de Editoração e Jornalismo, Sinval Medina, foi reprovado no exame de qualificação do mestrado, e a renovação de seu contrato foi cancelada.
Sinval foi o último professor da ECA a sofrer a punição, que acabou sendo o estopim para a forte movimentação política na escola em 1975.
1975, abril: “Três docentes pedem demissão em solidariedade ao Professor Medina; estudantes da ECA entram em greve”
O ato de protesto, em resposta à não renovação do contrato do Professor Sinval, foi tomado pelos docentes Walter Sampaio, Paulo Roberto Leandro e Cremilda Medina.
Em solidariedade, os alunos da ECA entraram em greve e pediram a demissão do diretor Manuel Nunes Dias.
A diretoria do Centro Acadêmico, contrária à greve, foi destituída. A greve estourou após uma série de atitudes proibitivas do diretor Nunes Dias. Ele chegou a impedir a organização de uma feira de livros e a retirar, com as próprias mãos, cartazes em murais da escola. Diversos professores foram demitidos em sua gestão.
Porém, com 73 dias de duração, a greve não conseguiu alcançar seu principal objetivo: Nunes Dias permaneceu no cargo até o último dia do mandato, e os estudantes perderam o semestre letivo.
1975, junho: “Greve estudantil desencadeia cancelamento do semestre letivo”
O segundo semestre foi cancelado por conta da greve, e os alunos reprovados tiveram que refazer suas matérias no semestre seguinte.
1975, outubro: “Docente da ECA é presa, solta e demitida”
Diléa Frate, formada em Jornalismo no ano anterior, fazia sua pesquisa de mestrado e dava aulas na ECA quando foi presa e torturada sob suspeita de ser militante do Partido Comunista Brasileiro.
Ela foi solta em oito dias e, em seguida, demitida da escola pelo diretor Nunes Dias.
1975, outubro: “Morre, nos porões do DOI-CODI, o jornalista e professor Vladimir Herzog”.
Após horas de tortura nas dependências do órgão de inteligência e repressão do governo militar, Herzog apareceu numa simulação tosca de suicídio.
Naquele ano, Herzog lecionou na ECA a disciplina “Jornalismo Televisionado” para alunos do 4º ano – exatamente a nossa turma.
1976, janeiro: “Fim do mandato do diretor Manuel Nunes Dias é comemorado”
Na saída do diretor, os alunos fizeram a festa do “Já vai tarde”.
***
De acordo com um estudo sobre saúde humana realizado durante 75 anos pela Universidade Harvard, o fator que mais afeta o nível de saúde das pessoas não é a riqueza, nem a genética ou a rotina, nem a alimentação. SÃO OS AMIGOS.
Ter laços fortes de amizade aumenta a nossa vida em até dez anos e previne uma série de doenças.
Isso acontece porque a OCITOCINA, hormônio que estimula as interações entre as pessoas, age no corpo como oposto da adrenalina. Enquanto a adrenalina aumenta o nível de estresse, a ocitocina reduz os batimentos cardíacos e a pressão sanguínea, o que diminui a probabilidade de ataques cardíacos e derrames.
Pois aqui estamos nós, uma exorbitância de amizades, com tantas empatias que nem conseguimos enumerar. E rapidamente conferindo que nossa amizade permanece forte e verdadeira.
À parte essas sensações nostálgicas e alegres, também constatamos que a vida, mesmo generosa com muitos de nossos parceiros de escola, foi muito breve para outros queridos.
Queremos homenagear 30 colegas que se foram precocemente, e que vão habitar para sempre nossas memórias:
ALEX YARED
AMILCAR MONTEIRO CLARO
ANNA NERY ALVES DE CASTRO
ANTONIO HELIO FOLINO PROENÇA
ARIOSVALDO LUCENA COQUEIJO
BEATRIZ FRANCISCA ROMAN
EGON HEINZ MISFELD
ESTHER PROENÇA SOARES
FAUSTO BRUNINI JR.
FERNANDO DOMICILDES CARVALHO
FERNANDO JOSÉ CARVALHAES DUARTE
GLORIA MARIA MOTTA LARA
GUILHERME DE ANDRADE MACHADO
HO WAI MAN
IRINEU CHAMISO JUNIOR
MADALENA SOFIA MITIKO WADA
MARGARIDA MARIA CARDOSO MARIA CECÍLIA LEMOS AFFONSO
MAURICIO JOSÉ IELO
NELSON TOMIO SAITO
NEUSA YOSHIKO HAMAKAWA
ROBERTO GUSELLA
ROSALINA MARIA DE MORAES FIUSA
RUBENS JOSÉ SOUZA BRITO
RUTH CASSITAS NAKAMURA
SUELI RUMI NAKATSUI
UBIRAJARA DE CARVALHO E CASTRO
VICTOR AQUINO (TUPÃ) GOMES CORRÊA
WAGNER AUGUSTO PATZINA
ZIVA BAHBOUT
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Em meio aos preparativos para este nosso grande (re)Encontro, a Comissão Organizadora colheu diversas sugestões de nomes que mereceriam homenagens.
Nos Encontros anteriores, homenageamos mestres marcantes como Luiz Barco, Vladimir Herzog e Dino Pretti.
Desta vez, a Comissão propõe um duplo tributo, com um bônus. Entre 59 menções do corpo docente, dois nomes emergiram nas mensagens enviadas pelos colegas: foram os dos professores IZIDORO BLIKSTEIN e CREMILDA MEDINA, que nos dão hoje a honra de suas presenças.
Izidoro Blikstein, mineiro de Araguari, é um dos mais importantes linguistas e tradutores do país, tendo atuado na USP desde 1965 até sua aposentadoria, em 1995.
Doutor em Letras pela USP, traduziu para o português obras de Roman Jakobson, Jean Dubois, Roland Barthes e Ferdinand de Saussure.
O professor Izidoro foi nosso mestre no curso básico, em 1972, na disciplina “Comunicação Linguística”, e atualmente é professor adjunto da Fundação Getúlio Vargas-SP.
Mesmo passados 50 anos, seu jeito dócil, sua voz pausada e estilo discreto ecoam como exemplo de profissionalismo nos alunos que tiveram a sorte de tê-lo como docente.
Vamos chamar a colega ALICE LEITE para fazer a entrega de uma placa de reconhecimento ao professor Izidoro Blikstein.
Continuando as nossas deferências especiais, vamos falar sobre a próxima homenageada: a professora Cremilda Medina.
Nascida em Portugal e radicada no Brasil desde muito jovem, Cremilda Medina iniciou no Jornalismo há mais de 60 anos, na Editora Globo, em Porto Alegre. Trabalhou em vários órgãos de imprensa em São Paulo, bem como em emissoras de TV.
É também pesquisadora e professora na área de Comunicação Social, com mestrado e doutorado pela USP.
Autora de mais de 50 livros sobre mídia, comunicação social e literatura da Língua Portuguesa, Cremilda organizou também várias antologias ensaísticas sobre temas da atualidade.
Além de professora no turbulento período de 1971 a 1975, foi protagonista nos acontecimentos que levaram a que tivéssemos, simultaneamente, no curso de jornalismo, quatro professores demitidos e um assassinado pela ditadura.
Ainda hoje é ativa na ECA, onde coordena cursos de pós-gradução.
Vamos chamar agora o colega GABRIEL PRIOLLI para fazer a entrega da placa de reconhecimento à professora Cremilda Medina.
Bem, queremos anunciar, se tem gente que ainda não sabe, que a sementinha do magistério lançada por esses mestres importantes, germinou.
Alguns de nossos colegas de turma acabaram por deixar florescer o gosto pela cátedra, e também se tornaram professores da ECA.
Dessa forma, a Comissão decidiu aproveitar a festa dos 50 Anos para homenagear três colegas da turma, em especial: Fabio Cintra, Fernando Scavone e Christina Rizzi.
FÁBIO CARDOZO DE MELLO CINTRA possui graduação em Música-Composição, mestrado em Artes na área de Música, e doutorado em Artes Cênicas, todos pela USP.
Atualmente, é professor doutor nos Departamentos de Música e de Artes Cênicas da ECA, nas áreas de Trilha e Dramaturgia, e coordena o laboratório de pesquisa Coro, Corpo e Experimento. Vamos saudar o Fábio com merecidos aplausos.
FERNANDO PASQUALE ROCCO SCAVONE tem graduação em Cinema, mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação, todos pela USP. Atualmente é professor doutor da ECA, atuando na cadeira de Fotografia. Uma salva de palmas também para nosso colega Fernando.
MARIA CHRISTINA DE SOUZA LIMA RIZZI é professora sênior aposentada do departamento de Artes Plásticas, além de atuar no programa de pós-graduação em Artes Visuais.
Possui graduação em Educação Artística e Artes Cênicas, mestrado e doutorado em Artes, todos pela USP. Atualmente, é orientadora de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, além de supervisionar o pós-doutorado na mesma instituição.
Palmas efusivas para a Chris!
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Bem, parafraseando a gente mesmo do último encontro, essa é uma esplêndida oportunidade para recordar muitas vivências alegres que tivemos, e outras nem tanto, mas que também explicam muito do que somos hoje. Mas lembrar apenas não basta.
É preciso aquecer a chama dos nossos afetos.
É preciso registrar nossas emoções e afinidades.
Arejar as memórias congeladas em fotografias.
Fortalecer a costura das recordações que nos aquecem e merecem registro.
E, por último, é preciso compartilhar, estender nossa colcha de lembranças sobre aqueles que amamos.
Porque nossa vida continua na memória dos que se lembram de nós.
E porque, afinal, existimos para sermos lembrados.
Esse esforço que fizemos para novamente nos olharmos nos olhos é uma chance para nunca perdermos o contato.
A língua grega tem uma palavra, Meráki, com um significado muito rico e profundo. Significa que você deixa um pedaço de si mesmo, uma parte da sua alma, dos seus sentimentos, em tudo o que faz.
Nós todos da Comissão Organizadora, nesta maravilhosa reunião, tentamos colocar um pouco de meráki em cada detalhe, para tornar este encontro inesquecível.
Desejamos que todos aproveitem ao máximo. E que possamos renovar e desdobrar este momento em muitos outros daqui por diante.
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