top of page
ecaturma72

15 minutos de papo com um mestre inesquecível


Uma incumbência de duvidosa receptividade para o início de uma tarde fria de segunda-feira: contatar um antigo professor, que não vejo há 35 anos, para comparecer a um evento no próximo sábado. O que tenho a oferecer, além da deselegância de convidá-lo com a antecedência de cinco dias? Acabei de saber que ele havia sido escolhido pela turma um dos “mestres inesquecíveis”, juntamente com Vladimir Herzog, e quero sensibilizá-lo com a homenagem a ponto de aparecer num almoço.  

Ligo para o telefone indicado na Lista, ele próprio atende. Me identifico; digo que além da sala de aula, do centro acadêmico, também o via muito na TV Cultura, e sempre admirei seu bom humor, o savoir-faire que usava para tratar de equações intrincadas da matemática. Luiz Barco, ex-professor titular da ECA-USP, ex-assessor da secretaria de Educação da Prefeitura de Jacareí, membro da Academia Paulista de Educação e da Associação de Humanidades da Europa, sempre cultivou o prazer do aprendizado, ouviu esse afago no ego e percebeu se tratar de gente amiga do outro lado da linha.

“Esse tempo realmente foi muito especial para mim; fui muito amigo do Herzog, e não consigo imaginar que alguém que o conhecesse pudesse imaginar plausível que ele pudesse botar fim na vida daquele jeito”. Comentei o que levou a família a fundar o instituto que vai ter o nome do antigo professor de “Jornalismo televisionado”. “Fazem muito bem, Herzog era um homem delicado, que tinha convicções, que dedicou sua vida à liberdade, e não é justo que fique eternamente estigmatizado com imagens horrorosas daquele regime tenebroso”, avalia.

Diz que agora, com 70 anos, vê sua vida com perspectiva muito nostálgica. “Com tudo que consegui, todo conforto e a tranquilidade de uma carreira, não tenho certeza de que consegui transmitir aos meus filhos a sensação de felicidade que minha mãe, uma empregada doméstica que praticamente nos criou sozinha, pois meu pai morreu muito cedo, produziu em nossa família. Ser pobre, naquele tempo, era muito menos pesado do que é hoje”.

Contei a ele que, naquele encontro de grandes amigos que não se veem há mais de três décadas, além do almoço, vão ser distribuídas duas placas de acrílico. Até por um reconhecimento a uma classe que, abnegada à nobre função de formar uma consciência crítica, é sempre relegada ao esquecimento. Disse que uma vai ser recebida por Ivo Herzog, em nome do pai, e outra, para o professor que foi escolhido espontaneamente pelo grupo, dentre doze mencionados. E que ele era o vencedor dessa eleição.

“Puxa vida, você me deixou emocionado. Sei que tenho um compromisso neste sábado, mas puxa, isso é muito importante. Vou ter que adiar, mudar, cancelar, mas isso não é algo que eu possa deixar de ir”. O mestre realmente mostrou na entonação das palavras o tamanho de seu contentamento.

Cansado de se empenhar contra o desânimo geral, e de se revoltar em entrevistas com sua constatação de que “não há mais prazer no aprendizado”, o velho professor guarda muito da energia e da criatividade que sempre usou no ensino da Matemática. Mais que um autômato, um funcionário público feito para cumprir cronogramas, em poucas palavras num telefonema com um semiestranho, ele mostra a fibra de quem assumiu o magistério com a cabeça pensante, a irriquietude com o conhecimento humano e as possibilidades da arte e da matemática. E nunca esqueceu disso. Um pensamento típico seu: ler um poema de Fernando Pessoa faz muito bem para o “espírito matemático”.  (Clovis Naconecy)

0 visualização0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios


Post: Blog2_Post
bottom of page